quinta-feira, 30 de junho de 2011

A vida é sonho - Calderón de La Barca

"Ai de mim. Ai, pobre de mim!
Aqui estou, ó Deus, para entender que crime cometi contra Vós.
Mas, se nasci, eu já entendi o crime que cometi.
Aí está motivo suficiente para Vossa justiça, Vosso rigor, pois o crime maior do homem é ter nascido.
Para apurar meus cuidados, só queria saber que outros crimes cometi contra Vós além do crime de nascer. Não nasceram outros também?
Pois, se os outros nasceram, que previlégio tiveram que eu jamais gozei?
Nasce uma ave, e, embelezada por seus ricos enfeites não passa de flor de plumas, ramalhete alado, quando veloz cortando salões aéreos, recusa piedade ao ninho que abandona em paz. E eu, tenho mais instinto, tenho menos liberdade?
Nasce uma fera, e, com com a pele respingada de belas manchas, que lembram estrelas. Logo, atrevida e feroz, a necessidade humana lhe ensina a crueldade, monstro de seu labirinto. E eu, tendo mais alma, tenho menos liberdade?
Nasce um peixe, abordo de ovas e lodo, e, feito um barco de escamas sobre as ondas, ele gira, gira por toda a parte, exibindo a imensa habilidade que lhe dá um coração frio; e eu, tendo mais escolha, tendo menos liberdade?
Nasce um riacho, serpente prateada, que dentre flores surge de repente e de repente, entre flores se esconde, onde músico celebra a piedade das flores que lhe dão um campo aberto à sua fuga. E eu, tendo mais vida, tenho menos liberdade?
Assim, assim chegando a esta paixão, um vulcão qual o Etna quisera arrancar de perto pedaços do coração.
Que lei, justiça ou razão pôde recusar aos homens previlégio tão suave, exceção tão única que Deus deu a um cristal, a um peixe, a uma fera e a uma ave?"

Texto de Pedro Calderón de La Barca (1600 - 1681), dramaturgo espanhol.
Este texto que vos trago hoje foi declamado pelo personagem de Dan Stulbach no filme "Tempos de Paz". Assisti ao filme dia 13/12/2009, um domingo, às 20:41. Pausei o filme e anotei trecho por trecho deste espetacular narrativo que me emocionou.

3 comentários:

  1. Oi Abner, lindo texto... Adorei! Já fiz isso também, parei um filme para anotar um poema que um dos personagens declamava!
    Tem selinho pra vc lá no meu blog, passa lá pra conferir... Muitos beijinhos, bye
    Anita do diarios-do-anjo.blogspot.com

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  2. Oi Abner, vc vai até rir, mas postei um novo selinho que ganhei lá no meu blog e indiquei vc de novo! Espero que vc participe da brincadeira respondendo um super questionário rsrsrsrsrs mil beijinhos, bye
    Anita do diarios-do-anjo.blogspot.com

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  3. Meus Parabéns meu caro, precisamos de mais pessoas que trazem novos ares pra nossa cultura. Eu também quando assisti este filme fiquei empressionado com a beleza deste texto, tanto que, corri até a internet para reler e saber sobre o autor. Adoro José Saramago e também poemas de Marighella ( Sim, Marighella o inimigo numero 1 da ditadura também faz poemas rs).

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